Cresci no campo mas orgulhava-me de ter nascido em Lisboa, na maternidade Alfredo da Costa, que me parecia ser num sítio tão longínquo quanto a remota possibilidade de alguém me meter num automóvel e me levar num passeio a conhecer Lisboa, que tantas vezes sonhava em pormenores de ingenuidades infantis. Mas ordenados. Ordenados por sequências de imagens que se geravam e arrumavam na minha jovem mente. Como seria a cidade onde tinha nascido? Era a pergunta que se impunha a toda a hora em que decidia abandonar-me em pensamentos sonhadores. Esta pergunta incomodava-me muito. Em parte, por não conhecer nem um pedacinho só que fosse, mas a verdade é que eu era demasiado pequena quando pegaram em mim e me trouxeram debaixo do braço, sem a minha autorização. Se me tivessem perguntado se queria ir embora de Lisboa para a província onde uma casa a cair de velha e, ainda assim, toda ela cheia de velhos também, nos aguardavam, de certeza que teria dito logo que não!. Mas dois meses não é quase tempo nenhum; não numa vida humana a contar do princípio, ainda é demasiado cedo para me lembrar do que quer que fosse quanto mais ter voto na matéria. Acho que por isso, acalentava em segredo esse meu desejo de ir passear até à minha terra natal; tinha todo o direito.
E todos os anos os via chegar e partir; aos que de lá vinham para as férias grandes que passavam com os avós, mas a mim ninguém me levava nem trazia... para grande desgosto meu, constactava sempre que era ali a minha terra. Era ali que eu pertencia.
Até que um belo dia, deveria ter uns treze anos, com o pretexto de consultar um especialista da vista no Hospital dos Capuchos, lá vim eu com o meu pai, toda contente, até à capital na furgoneta do Sr. Américo Pêras, que nos levou a uma rua estreitinha ali para os lados da costa do castelo, onde morava uma tia do meu pai, irmã da minha avó. A casa, minúscula, foi grande demais para me aprisionar e quase asfixiar de ansiedade... não via a hora de serem horas de sair para a tal consulta e poder pisar o chão da terra que era a minha. Ficámos ali mesmo na divisão que chamavam de sala. Havia ainda uma divisão com uma pia de despejos atrás de uma cortina presa por um esticador, onde o único objecto que lhe dava a dignidade de cozinha era um pequeno fogão a gaz de dois bicos onde um frango borbulhava dentro de uma panela. Ao lado, um quadradinho do tamanho de uma caixa de fósforos onde se vislumbrava uma cama que o enchia por completo. O quarto, talvez a única divisão digna do nome que tinha, estava alugado a uma senhora de bem que era também quem pagava a renda da casa toda ao senhorio do prédio.
Dormi com o meu pai num cobertor dobrado ao meio, mais duro que um colchão de chumbo. A azáfama dos automóveis na rua até altas horas da madrugada, contrastava com o silêncio a que estava habituada e não me deixavam chegar o sono, de modo que, a noite se alongou como nunca se tinha alongado mais nenhuma noite em toda a minha vida até ali!...
E todos os anos os via chegar e partir; aos que de lá vinham para as férias grandes que passavam com os avós, mas a mim ninguém me levava nem trazia... para grande desgosto meu, constactava sempre que era ali a minha terra. Era ali que eu pertencia.
Até que um belo dia, deveria ter uns treze anos, com o pretexto de consultar um especialista da vista no Hospital dos Capuchos, lá vim eu com o meu pai, toda contente, até à capital na furgoneta do Sr. Américo Pêras, que nos levou a uma rua estreitinha ali para os lados da costa do castelo, onde morava uma tia do meu pai, irmã da minha avó. A casa, minúscula, foi grande demais para me aprisionar e quase asfixiar de ansiedade... não via a hora de serem horas de sair para a tal consulta e poder pisar o chão da terra que era a minha. Ficámos ali mesmo na divisão que chamavam de sala. Havia ainda uma divisão com uma pia de despejos atrás de uma cortina presa por um esticador, onde o único objecto que lhe dava a dignidade de cozinha era um pequeno fogão a gaz de dois bicos onde um frango borbulhava dentro de uma panela. Ao lado, um quadradinho do tamanho de uma caixa de fósforos onde se vislumbrava uma cama que o enchia por completo. O quarto, talvez a única divisão digna do nome que tinha, estava alugado a uma senhora de bem que era também quem pagava a renda da casa toda ao senhorio do prédio.
Dormi com o meu pai num cobertor dobrado ao meio, mais duro que um colchão de chumbo. A azáfama dos automóveis na rua até altas horas da madrugada, contrastava com o silêncio a que estava habituada e não me deixavam chegar o sono, de modo que, a noite se alongou como nunca se tinha alongado mais nenhuma noite em toda a minha vida até ali!...
9 impulsos:
Cleo, sabes o quanto gosto da tua prosa. Este conto merece continuidade.
Fica o meu beijo, a minha amizade, SEMPRE!
Mel
È na falta daquilo que temos todos os dias, que damos valor ao que temos.. Beijinho
Olá Cleo
Adorei te ler... como sempre!
;)
Cleo,
Ansiosa pela continuação...
Beijos
Gostosa cada frase.
bj
Olá Cleo
Antes de mais ...parabéns pelo blogue ! :)
gostei do que li ...
Gostaríamos muito que desse uma vista de olhos no projecto DVB- Digital Video Book ,de saber a sua opinião e qual o interesse em desenvolvero seu trabalho neste novo formato.
"Transformamos" os seus trabalhos (já editados em livro, ou não), num DVB- uma ideia original da Pastelaria Studios Productions
O projecto é recente, é uma inovação, tal como explicamos no nosso blogue:
http://pastelariaestudios.blogspot.com/
É exactamente isso! os seus poemas seriam " trabalhados " em DVB . Um livro que se vê como um filme!
Não somos uma editora, prestamos essencialmente um serviço criativo.
A minha sugestão seria, enviar-nos a sua obra, e nós faremos uma análise e um orçamento de custos.
Posso adiantar que, por ser um projecto novo e, embora o trabalho criativo (audio, voz, imagem, construção do DVB, etc) seja bastante, queremos chegar ao maior número de autores de obras escritas, mesmo que essas estejam ainda na 'gaveta' ...
Fico a aguardar uma resposta e, qualquer dúvida ...estamos por aqui.
Um abraço
TMQ
pastelariaestudios@gmail.com
Cleo, gosto muito da forma como escreves narrativa. Fico na expectativa da continuação!
Beijos,
AL
Docemente triste ;)
De tocar de levinho a alma...
Beijos =)
"Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos. Enquanto o amor passa, a amizade volta, mesmo depois de ter adormecido um certo tempo."
Já tinha saudades.
Beijinhos e até breve!
Lyra ;)
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