Trazia uma vida inteira a pingar-lhe dos olhos. Na memória, agruras e pobrezas (tantas) que as pedras não dizem. Embrulhada na capucha negra, enxotava o frio que lhe abocanhava os ossos. Mirava ao longe a terra de onde nunca saiu, cheia de estórias de misérias de tempos idos que ninguém ouviu... Agora, que importância terá isso, se a beleza é tudo o que mais importa! Imagens a correr o mundo, a trazer autocarros cheios de gente com máquinas fotográficas e que se debulha em deslumbramentos, como se não houvesse existido passado algum e aquilo tudo já tivesse nascido assim.


E quando urge a vontade pela busca e esta se torna incessante, do que nem sabemos muito bem o quê, que nos leva a viajar para dentro de nós mesmos, procurando em cada rua, em cada esquina das memórias, nos resquícios da existência queimada pelo tempo, evocando lugares e pessoas que nos acordam sentimentos adormecidos e nos permitem reviver instantes impossíveis de descrever porque só nós os vemos como vemos e como os queremos ver(os outros não os enxergam e mesmo que enxergassem não quereriam saber), tornamo-nos felizes sem sabermos que era esse afinal, o grande motivo da nossa alienada busca.



Poesia
são pássaros poisados
em pautas suspensas
sob o entardecer
num chilreio de notas
uníssonas
enquanto contemplam
o horizonte
do lado contrário ao nosso ver...


Serena é a derrota dos ingénuos, ainda que largados ao abandono da sorte, sob o denso manto da noite. Uivos de lobos esfaimados ecoam do breu das montanhas anunciando o início do banquete. E as portas do céu que permanecem cerradas... Ninguém para os salvar!
Indiferentes aos gritos das almas inocentes, ferozes, impacientes, as bestas  avançam implacáveis a coberto da escuridão!
Existem tantos mistérios e terrores escondidos nas pregas dos nossos sonhos, capazes de nos sobressaltarem se nos apanham distraídos... na profundidade do sono.

E se calhar já nem sonho, nem sono, nem terrores ou mistérios. Se calhar já nem nós, a ocupar a cadeira que dormita, a encher o vazio das horas...