A casa de pedra, miserável, com telhado de lajes. Na escada, uma rapariguinha triste, de corpo miúdo e esguio, vai folheando um livro de banda desenhada cuja história se perdeu no tempo, confundindo-se com a dos próprios protagonistas, Mónica e João Cebolinha…
Corria nas bocas do povo que a mãe se tinha enforcado com uma corda que prendeu a uma trave do curral das ovelhas. Havia também quem dissesse que não tinha sido bem assim. Desconfiavam até, de algo bem mais escabroso. Talvez um homicídio levado a cabo por uma cegueira de ciúmes… Nunca se soube ao certo. Certo foi, que por causa disso, foi separada do irmão que ficara com o pai e levada para o pé da sua avó, que raramente visitava. Que quase nem conhecia.
Tinha as unhas roídas até ao sabugo, e mesmo assim, continuava a roê-las pelo meio escavando buracos no lombo das cabeças dos dedos de modo que, parecia que os ratos a iam devorando de noite enquanto dormia.
Costumava ir para o pé dela. Ela deixava-me folhear os seus livros de bonecos que eu não tinha. Por vezes, sentia o aroma das maçãs de bravo mofo que se esgueirava pela frincha da porta encostada. Aquele aroma… ainda hoje o sei de cor.
Um belo dia, em que voltei a procurar pela sua companhia, disseram-me que o pai a tinha vindo buscar… nunca mais a vi.
Muitos anos depois, soube que tinha casado com um homem rico, que vivia no Porto e que já tinha pago duas ou três desintoxicações ao irmão, que, ao que parece, deixou de ter aquele ar inibido que mostrava (quando moço já mais crescido e até muito bem parecido) sempre que por ali aparecia com o seu pai, geralmente por altura das festas, e se tinha metido por caminhos espinhosos de vícios destruidores de corpos e de almas.
No ano passado encontrei-o por acaso. Parecia um pedinte, bêbedo de miséria…


Se amar alguém
For mais do que tudo aquilo
Que as palavras possam dizer
Então
Isto que eu tenho
Cá dentro
Que me mói
O sentimento
É bem capaz de o ser!

Amar
Não é só sorrir
Ou escrever frases de amor
Nos muros brancos da vida
Nem tão pouco
Gritar aos quatro ventos
O que o outro deseja ouvir...
Amar é muito mais do que isso
É aprender a admirar
O que nos fazem sentir
Os pequenos detalhes
Em doses mínimas
De prazeres partilhados...

Mas é também sofrer sozinho
Fustigar-se até a ferida sangrar
E deixar o sangue escorrer
Sobre o erro cometido...
É também engolir em seco
Quando se quer cortar o silêncio
Em fatias pequenas
E dar-se conta
De que não possui de momento
Qualquer ferramenta
Para isso

Amar
É admitir que se perdeu a razão
Ousando ir até mais longe
E querer com este poema
Subir ao altar da tua emoção
E porventura...
Alcançar o teu desejado perdão!



Todos os dias são vésperas de outros dias.
Todos os dias, a seguir aos dias das vésperas, serão os dias seguintes. O depois de...
Por isso, todos os dias serão sempre importantes vésperas de alguma coisa.

Na véspera de nós,
costumava convidar o silêncio para a minha companhia.
Depois, bebíamos os dois em segredo um cálice de ânsias, que se dissolvia nas letargias sonâmbulas das madrugadas, empoleiradas nos ponteiros de um tísico relógio de parede que marcava impiedosamente, um a um, os cínicos minutos gasosos da insónia, insolente e insaciável devoradora de quietudes nocturnas...


Vociferam altaneiras
As vozes!

Já antes haviam galgado
Furiosas
As paredes das gargantas
De esganiçadas carpideiras
Cuspideiras de prantos
Alheios...

Agora
E frigidamente
Espojadas pela poesia
Jorram
Em desatino
Caudais inimagináveis
De improperados rios
De verbos
Tão empobrecida(mente)
Desvestidos de versos...