A terra
A mais perfeita
De todas as criações
Das criações
Que o universo
Contém

Dizem
Por via
Das profecias antigas
Estar breve
O fim de tudo

Qual sombra apocalíptica
Tão grande
Quanto o manto
Da noite perpétua
Capaz de engolir o mundo
E o levar
Para além do infinito

Nem tempos
Nem eras
Nem memórias
Nem partícula alguma...

Tudo se findará
Como se nunca
Nada houvesse existido...


A propósito do último livro de Manuel Alegre, o nosso político mais poeta que se conhece e ao qual deu o curioso título: "o miúdo que pregava pregos numa tábua", veio-me imediatamente à ideia a minha remota infância, que, numa coincidência nostálgica, me reportou no tempo ao mesmo pé de igualdade da deste miúdo do livro. Assim sendo e não pretendendo usurpar coisíssima nenhuma ao autor deste livro a não ser o que o seu título me despertou nas lembranças onde era eu a miúda que pregava pregos numa tábua.

O meu pai era marceneiro e era por ali, dentro da sua pequena oficina, que eu ficava a maior parte dos dias enquanto a minha mãe se ocupava dos trabalhos do campo a que estava obrigada.
Entretinha-me pois, a brincar com o que tinha mais à mão e o que mais poderia ser? ... se não pregos, um martelo sem orelhas pequeno e os também pequenos quadradinhos de madeira de todas as formas e tamanhos que eu descobria no meio das aparas e da serradura que cobriam todo o chão.
Pregava pregos e dedos e no fim ficava um tanto ou quanto desiludida com a minha obra final. É que tinha a mania de querer fazer em ponto pequeno o que via o meu pai fazer em tamanho grande...

Talvez um pouco fora do contexto, mas não me posso esquecer também daquele homem que de vez em quando passava à porta da oficina e assomava na soleira da porta mendigando qualquer coisinha que lhe forrasse o estômago ou lhe agasalhasse o corpo já tão castigado pelo frio do Inverno rigoroso.

Naquele tempo viam-se alguns pedintes solitários que calcorreavam antigos caminhos de cabras que só eles conheciam e que os levava de terra em terra, mendigando uma côdea de broa aqui e ali ou uma peça de roupa ou de calçado que já não servisse ou fizesse falta a ninguém, fazendo desse modo de vida a sua odisseia existencial.

Falei neste pobre homem, porque é incontornável a lembrança daquele episódio caricato e que ainda hoje é motivo de gargalhadas sempre que alguém se lembra e se fala nele.
Então dizia o homem, virando-se para o meu pai, já depois de ter morto a fome e enquanto descansava da jornada, regando o cansaço com um copito de vinho - Ó Ti Abílio, e se você me desse uma tábua e um prego para eu levar comigo e quando chegasse à minha terra a pregasse numa parede que lá há? A ver o que é que dava!...


Não são raras as vezes, que, na busca do inefável, do mítico perfeito do nada que pode ser tudo, capaz de arrancar "oh's" de admiração das bocas dos outros, me perco em caminhos feitos de círculos minúsculos e fechados sobre si mesmos, na ridícula galáxia da minha ignorância, rendendo-me ao óbvio que não escondo e que por isso o deixo bem à vista de todos...
Quando finalmente me dou conta de que não sou capaz, baixo a cabeça num gesto de submisso conformismo enquanto me reduzo à minha própria insignificância, arrastando pelo chão a miséria que me resta, mas que, ironicamente, é também a minha única fortuna. Tal como uma pobre garota pequena e triste faria com a sua velha boneca de trapos, já tão suja e gasta, ao passar de mão dada com a sua mãe pela montra de uma loja de brinquedos e visse uma linda "barbie" sentada do lado de dentro da montra.
E morro-me lentamente, afogada nas minhas águas inquinadas de mediocridade, que, borbulhando, vão emergindo de dentro de mim, como uma poção mágica-maligna fervilha no caldeirão de uma bruxa daquelas histórias de arrepiar criancinhas inocentes... e que a certa altura me cospem e me deixam a flutuar sobre si mesmas, como o mar cospe um cadáver inchado que se solta de um navio afundado e o abandona à sua sorte, deixando-o a boiar impiedosamente ao sol, à chuva e ao vento, até se desfazer ou ser devorado por um qualquer tubarão faminto e já nada mais restar a não ser na hipotética saudade de algum amigo ou familiar, apagando assim com esta crueldade quase cínica, qualquer resquício da sua passagem pela vida...



Vede bem
Com olhos de ver
O que lhe fez
O inexorável
E incansável
Cinzel
Da vida!

Ferramenta
Impiedosa
Caprichosa
E cruel
Que lhe roubou
A lisura da pele
E lhe cavou
Na carne do rosto
Socalcos tamanhos

Por onde se adivinha
Que desmedidos
Rios de sal
Terão corrido
Secando-lhe
A última fonte
Dos sonhos...

Eis aqui
Pois
A obra (im)perfeita
Da arquitectura
Do tempo!