Tenho fome de sorrisos de sol e da preguiça do vento... da embriagante lânguidez do entardecer, espraiando-se sob os campos de trigo doirado, quase maduro. Dos dias cálidos a prometerem sinfonias de grilos e de rãs noites adentro. Tenho saudades do bailado ondulante das borboletas e do verde fluorscente dos luzicus na parede do meu quintal. Dos lírios que enfeitavam o jardim abandonado, em frente à casa alta de xisto da rua da minha avó e em cujo telhado de lajes quentes, me sentava junto dela e me demorava a ouvir as suas histórias de encantar, que me contava por entre costuras de dedal e agulhas difíceis de enfiar.
Lembro-me das dálias rubras sem canteiro, nascidas da terra, junto ao corrimão das videiras. Das tangerinas que salpicavam o chão em volta da tangerineira e das outras que colhíamos com a escada da azeitona. Dos abrunhos de frança a pingarem de mel... das abelhas gulosas e da bilha de barro onde se guardava a água fresca que nos matava a sede quando longe das nascentes.
Dos enfeites e das festas, da música e do largo cheio de gente.


Sou o que sou
Sem chegar a saber
Quem realmente sou

Sinto-me
No intervalo
Entre aquilo que fui
E o que nunca cheguei
A ser

E o que fui afinal?
Interrogo-me agora
Quando me busco
E não me acho
No álbum vazio
Da estante...

Se ontem me morri
Sem saber
Quando me abandonei
E me esqueci
De viver

Se ontem não fui
E hoje não sei

Talvez amanhã
Ainda venha a tempo
De vir a ser
Um qualquer
Alguém...!