Tropecei
Num poema morto
Sem nome
Nem autor

Encontrei-o
Caído
Prostrado
Na calçada
Enlameada

Aproximei-me
E ergui-o com cuidado
Para que se não desintegrassem
As palavras
Que nele estavam
Incrustadas

Li-o emocionada
Porque lhe senti o amargo
Do malogro
Que o matou

Só no fim percebi
Que o que ali
Jazia
Nas minhas mãos
Era um bilhete suicida
De um amor
Proibido

Que nunca foi...



Já não me espantam as curvas obliquas dos dias, quando, à tardinha, pego naquele mesmo livro que já esteve para ser lido não sei quantas vezes e com ele me sento no meu velho maple de veludo grená, empalidecido pelo mesmo tempo que me amarrotou as feições lisas do rosto. Mais uma vez o poiso no colo distraído e me rendo ao cansaço e ao mesmo abandono de todos os instantes suspensos no relógio sem pêndulo, que, lá no seu canto esquecido, do outro lado da sala, há muito que passou a rodar no sentido contrário, dando horas que já foram sem que ninguém tivesse dado por isso ou lhe contrariasse aquela estranha marcha sem sentido.

Acordo estremunhada e é aí que reparo que pela janela envidraçada, vai entrando mesmo sem licença, a claridade da noite que entretanto se foi chegando silenciosamente e se apoderou do resto que o dia não conseguiu segurar por mais tempo.
Levantei-me a custo, peguei na bengala e com passinhos curtos e entorpecidos, caminhei até à estante onde voltei a colocar cuidadosamente o livro que não li...
Lá fui cambaleante, apalpando a escuridão estreita daquele corredor que, subitamente, me vai parecendo cada vez mais comprido.



São vorazes
Os pensamentos
Que me chibatam
Constantemente
Estas já débeis
E tão frágeis
De carcomidas
Paredes
Em ruinas

Esborralhadas ruínas
Desta minha
Insana mente
Cujas fendas
Cada vez maiores
São passagens
Secretas
De bizarras demências
Que me vieram fustigar
A pacatez da vida

Passageiras clandestinas
Escondidas nos bolsos
Daquele outro
Que aos poucos
Me ocupou
O corpo
E me encarcerou
Para sempre
Nas masmorras
Do esquecimento
Despojando-me
De tudo aquilo
Que era meu!

De tudo aquilo
Que era eu...

Daquele que fora
Nada restou
Tudo da mente se foi
Se apagou...
Só o oco da razão
Ficou!

E por esse que eu já não sou
Não respondo
Nada digo
Pois que também
Nada sei

Deixem-me...
Exijo silêncio!

Que aqui
Agora
Mora um louco!
Um respeitável louco
Ainda que varrido
Da sua própria
Memória...


Segui pegadas
Do destino
Que bebi
Na fonte do acaso
De um encontro inesperado

Trouxeram-me alegrias
De espanto
Que me coloriram
A noite morna

Afinal
Eram minhas
Aquelas palavras
E foram por mim semeadas
Num certo chão de quimeras

Saboreei-as de novo
Uma a uma
Como se fossem novas
Como se fossem as primeiras
A bailarem-me nos olhos
Subitamente inundados
Pelas águas salgadas
De um oceano desgovernado

Erguendo ondas

E despertando sentimentos antigos
Adormecidos...

Souberam-me a tanto
Que nem tenho verbos
Que possa conjugar
No tempo certo
De um instante
Emocionante...
E impossível de olvidar!