Era uma estória
Vinda dos tempos
Longínquos
Há muito sumidos
Nas brumas da memória
Das gentes
Da minha terra

Rezava então
A dita
Que por certo
Mais não seria
Do que uma lenda...

A lenda de um pai
E das ricas
Filhas suas

Levassem eles
O tempo que levassem
A descer ao Domingo
Lá do cimo
Da serra
Até às portas da vila
De Côja
Pois que não se rezaria
A missa
Enquanto o pai e as donas
Ali não chegassem!

Quem não sabia
Fica então a saber agora
Que dessa curiosa estória
Vem o nome
Da minha pequena aldeia
Perdida nos montes
Da serra do Açor:

Pai das Donas



Fiz a mala com alguma antecedência, movida pela ânsia que me tolhia o pensamento perante a perspectiva de uma liberdade ainda que utópica, mas que eu desconhecia...
Parti ao anoitecer de um dia que me ficou marcado para sempre. Não é que me lembre que dia era ao certo, mas pelo significado daquilo que considero ser um vil abandono na hora da morte.
Ferido numa bulha feia de machos pelo direito de acasalar com uma certa fêmea que por ali andava com o cio, apareceu-me em casa com uma pata a arrastar. Curei-lhe a ferida como podia, se bem que o buraco deixado à vista era assustadoramente enorme! Sem saber o que mais fazer que lhe devolvesse a vida ou pelo menos lhe aliviasse as dores da infecção que lhe devorava a carne, agonizava há vários dias numa cama improvisada no meio das aparas de madeira a um canto da oficina.
Bem que lhe vi a súplica no olhar triste e na mudez do miar cujas forças já não lhe permitiam soltar mais do que um ténue e quase inaudível ronronar, quando lhe passei a mão pela cabeça naquele que seria o derradeiro gesto de carinho dos tantos que havíamos partilhado e que agora, qual ingrata criatura sem sentimentos que tão miseravelmente o deixava ao abandono das mãos da cruel injustiça que lhe tinha varado o destino.
No dia seguinte a notícia chegou bem cedo pelo telefone: - O teu gato morreu!